10 de Junho de 2025

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GERAL Segunda-feira, 09 de Junho de 2025, 15:28 - A | A

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ARTIGO

A hipocrisia legalizada: proibir crianças na Parada LGBT, mas incentivá-las no carnaval e na masculinidade tóxica

Lucas Leite

Em Cuiabá, discute-se a aprovação de uma lei que proibiria a participação de crianças na Parada do Orgulho LGBT sob o argumento de que se trata de um “ato político inadequado para menores”. A justificativa, como muitas que tentam camuflar preconceitos sob o verniz da moralidade, é frágil, tendenciosa e revela algo muito mais perigoso: um preconceito institucionalizado e seletivo, onde apenas certas formas de manifestação e identidade são vistas como "nocivas" para crianças.      

A pergunta que se impõe é simples: por que se tenta impedir a presença de crianças em uma parada que celebra diversidade, inclusão, visibilidade e direitos civis, mas se fecha os olhos (ou aplaude) quando crianças pulam carnaval, fantasiadas de "musa", acompanham trios elétricos com danças sensuais ou são ensinadas, desde os 10, 12 anos, que "menino de verdade tem que pegar mulher"?      

Essa incoerência escancara o preconceito velado, e às vezes descarado, de setores conservadores da sociedade. O mesmo Brasil que naturaliza a erotização precoce das meninas no carnaval e a masculinidade tóxica dos meninos na adolescência, grita em repúdio quando vê uma criança segurando uma bandeira colorida ao lado dos pais numa parada LGBT. Por quê?      

O argumento de que a parada LGBT é um “ato político” inapropriado para menores não se sustenta. Primeiro, porque toda manifestação social e cultural é, em algum nível, política, inclusive o carnaval. Segundo, porque o que se está proibindo não é a política, mas a vivência pública de uma identidade.      

Trata-se de mais uma tentativa de pintar a população LGBTQIA+ como “imprópria”, “perigosa” ou “pervertida” aos olhos das crianças, quando o que se celebra nessas paradas é, na maioria das vezes, amor, cidadania e resistência. Não há nudez explícita como se insinua, nem “orgias públicas”, como sugerem fake news que circulam todos os anos. Há pessoas que querem existir sem medo.      

Enquanto isso, ninguém propõe leis para restringir a presença de crianças em blocos de carnaval com coreografias hipersexualizadas ou músicas com letras abertamente vulgares. Tampouco se discutem políticas públicas para lidar com a pressão sobre meninos para “virarem homens” aos 14, 15 anos, como se masculinidade fosse medida por quantidade de parceiras sexuais.      

O que se vê é uma tentativa de moralizar apenas o que incomoda o conservadorismo: a diferença. A presença de crianças na parada LGBT incomoda porque ela mostra que outra educação é possível, uma educação baseada no respeito à diversidade e à liberdade de ser. Isso é ameaçador para quem acredita que só existe uma forma certa de viver, amar ou formar uma família.      

A hipocrisia legalizada é quando o poder público tenta legislar sobre quais formas de amor e de existência são “aceitáveis” na esfera pública, e a quem as crianças devem ou não ser expostas. Mas, sejamos honestos: crianças crescem assistindo novelas com casais heterossexuais, filmes com insinuações sexuais e comerciais que reforçam padrões de gênero. Por que um casal LGBT andando de mãos dadas numa marcha é mais ofensivo do que isso?      

É papel das famílias decidir o que seus filhos devem ou não vivenciar, no escopo da lei. Não cabe ao Estado proibir que pais levem suas crianças a um evento pacífico, autorizado e com programação cultural. Cabe, sim, garantir que esses espaços sejam seguros e respeitosos, como devem ser todos os eventos públicos.      

Impedir legalmente a presença de crianças numa parada LGBT é dizer, com todas as letras, que essa vivência é indesejável. É reforçar a ideia de que a identidade LGBT é algo vergonhoso, que deve ser escondido. E isso, sim, é prejudicial às crianças, especialmente àquelas que, mais cedo ou mais tarde, descobrirão que fazem parte dessa comunidade e talvez não encontrarão apoio nem compreensão.      

O Brasil precisa parar de fingir que protege crianças quando, na verdade, está protegendo preconceitos. Não há nada de mais político, e positivo, do que ensinar uma criança que o mundo é diverso e que todos têm direito a respeito e dignidade.      

Enquanto alguns tentam pintar a Parada LGBT como uma ameaça à infância, o verdadeiro perigo está na ignorância, na intolerância e na tentativa de impor a todo custo uma única forma de existir. Isso, sim, é um desserviço à sociedade.  

Lucas Leite, jornalista, assessor de impressa, social mídia e editor chefe do COPopular.


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