Desde que o feminicídio foi reconhecido como crime em 2015, os dados indicam que esse tipo de violência representa um sério problema social e de segurança pública no Brasil. Feminicídio refere-se ao assassinato de mulheres motivado pelo gênero.
Quer ficar bem informado em tempo real? Entre no nosso grupo e receba todas as noticias (ACESSE AQUI).
O mais recente Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho, revela um aumento no número de mulheres vítimas desse crime em 2023. Mais de 1.467 casos foram registrados, possuindo um crescimento de 0,8% em relação ao ano anterior. Isso equivale a uma mulher assassinada a cada seis horas, evidenciando a gravidade da violência de gênero no país. Uma nova pesquisa trouxe preocupações adicionais, pois, apenas no primeiro semestre de 2024, já foram registradas mais de 2 mil mortes violentas de mulheres com indícios de feminicídio, conforme o Monitor de Feminicídios no Brasil.
Muitas pessoas se perguntam porque o feminicídio acontece com tanta frequência e se torna algo “comum” nas famílias brasileiras. A resposta está ligada a uma combinação de fatores históricos, culturais e sociais que tornam o machismo uma característica estrutural da sociedade brasileira. Vivemos em um país patriarcal que desvaloriza as mulheres, tratando-as como propriedades dos homens e normalizando a violência contra elas, especialmente no ambiente doméstico.
A violência doméstica e o feminicídio são impulsionados por questões de poder e controle, além da misoginia que perpetua a ideia de supremacia masculina. A desigualdade de gênero, que se tornou comum, autoriza socialmente a subjugação das mulheres, que são frequentemente controladas. Quando ousam se posicionar contra a violência, muitas vezes enfrentam reações agressivas que podem culminar no feminicídio. No entanto, esse crime não está necessariamente vinculado à resistência das mulheres; mesmo aquelas que nunca se levantam contra seus agressores podem ser assassinadas.
Além disso, a ausência ou ineficácia de políticas públicas para lidar com essa situação—que vão desde o apoio às vítimas até a punição eficaz dos agressores - complica ainda mais o cenário.
Em 2006, a Lei Maria da Penha entrou em vigor, representando um marco importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Essa legislação visa garantir a segurança das mulheres e abrange não apenas casos de agressão física, mas também situações de violência psicológica, como o afastamento de amigos e familiares, ofensas, destruição de objetos, difamação e calúnia. Além de punir os agressores, a lei também prevê acolhimento e assistência às vítimas.
No entanto, apesar desse avanço significativo, o feminicídio continua a ser uma realidade alarmante no Brasil, como evidenciam as estatísticas. Conforme a pesquisa da Secretaria de Estado e Segurança Pública de Mato Grosso, de janeiro a setembro, foram registrados 14.223 ameaças e 6.835 casos de lesão corporal. Além desses casos que é comum ver no noticiário, existem outras situações amparadas pela Lei Maria da Penha.
Aqui no estado, quando se trata de perseguição, mais de 1.631 casos foram denunciados, totalizando um aumento de 28% comparando com o ano anterior. Até o momento, mais de 77 mortes por homicídio doloso e feminicídio foram registrados.
Após os inúmeros casos e aumento constante de mortes e agressões, a Câmara dos Deputados, aprovou o Projeto de Lei 4266/23, que garante o aumento da pena de feminicídio para até 40 anos.
Segundo o texto, o feminicídio passa a ser definido em um artigo específico, ao invés de ser considerado um tipo de homicídio qualificado. Atualmente, a pena varia de 12 a 30 anos de reclusão, mas, com essa mudança, ela aumentaria para 20 a 40 anos.A relatora do PL 4266/23, deputada Gisela Simona (União–MT), destacou que a proposta visa aumentar a proteção às mulheres vítimas de violência.
“A classificação do feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio dificulta sua identificação. Em muitas situações, a falta de formação adequada ou de protocolos claros pode levar as autoridades a classificar o crime simplesmente como homicídio, mesmo quando a conduta é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.”, comenta.
Além da deputada Gisela Simona, outras parlamentares expressaram apoio e celebraram a nova lei, acreditando que ela poderá reduzir os casos de feminicídio e inibir os agressores. As novas circunstâncias que podem aumentar a pena incluem o assassinato da mãe ou de uma mulher responsável por pessoa com deficiência, o uso de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou qualquer meio cruel, além de traição, emboscada, dissimulação ou métodos que dificultem a defesa da vítima, e o uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Todas as circunstâncias do crime também se aplicam a coautores ou participantes do assassinato.
O projeto também aumenta a pena para o condenado que descumprir medidas protetivas durante o cumprimento da pena. Por exemplo, se um condenado por lesão relacionada à violência doméstica se aproximar da vítima quando isso estiver proibido, a pena por violação da medida aumentará de detenção de 3 meses a 2 anos para reclusão de 2 a 5 anos, além de multa.
A proposta altera direitos e restrições para presos por crimes contra mulheres. Se um preso por violência doméstica ameaçar ou praticar novas violências contra a vítima, ou seus familiares, será transferido para um presídio distante. Para a progressão de regime, o tempo necessário aumenta de 50% para 55% da pena se a condenação for por feminicídio, sem possibilidade de liberdade condicional para réus primários. Apenados em saídas autorizadas terão de usar tornozeleira eletrônica e não terão direito a visita íntima.
A responsabilidade de suspender ou restringir direitos dos apenados, como visitas e correspondências, passa a ser do juiz da execução penal, ao invés do diretor do presídio. Na lei de contravenções penais, a pena para agressão contra a mulher será triplicada, e a pena por ameaça será dobrada se cometida por motivos de gênero, sem depender de representação da vítima. Crimes como injúria, calúnia e difamação também terão penas dobradas.
A pena por lesão corporal contra familiares ou contra a mulher, por razões de gênero, aumentará de 1 a 4 anos para 2 a 5 anos de reclusão. Além disso, a perda do poder familiar se estenderá a condenados por crimes relacionados à condição feminina, independentemente de a mulher compartilhar esse poder. A condenação poderá levar à perda de cargo ou mandato eletivo e à proibição de futuras nomeações em funções públicas, com efeitos automáticos a partir da condenação.
Em relação à execução da pena, a procuradora da Mulher, deputada Soraya Santos (PL-RJ), elogiou o endurecimento das medidas para agressores de mulheres durante essa fase, especialmente na concessão de benefícios. A deputada Erika Kokay (PT-DF) enfatizou a importância de considerar o feminicídio como um crime autônomo.
“Enfrentar o feminicídio não é apenas recrudescimento penal. Envolve política de educação, cultura e multissetorialidade. É necessário termos uma sociedade onde não haja dor em sermos mulheres”, declarou.
Identificar e evitar o feminicídio é uma questão crucial, uma vez que essas mortes são muitas vezes evitáveis e resultam de um processo contínuo de violências que se agravam com o tempo. O feminicídio se insere em um contexto de misoginia, caracterizado pelo ódio e desprezo pela mulher.
Embora muitos comportamentos masculinos, como a postura controladora, ciúmes extremos, tom de voz alterado, críticas destrutivas disfarçadas de brincadeira e culpabilização, sejam naturalizados e até vistos como atos de cuidado, esses sinais devem ser considerados alerta. Intimidações, ameaças e um histórico de agressões são indícios claros de que a situação pode evoluir para um feminicídio.
Combater o feminicídio não é uma tarefa simples; exige uma abordagem multidisciplinar e um esforço conjunto da sociedade para educar e conscientizar sobre a equidade de gênero, as leis e os direitos das mulheres. Além das campanhas de conscientização, é fundamental divulgar o número 180, que é destinado a receber denúncias de violência contra mulheres, e garantir que existam espaços seguros para que as vítimas possam registrar suas denúncias e receber atendimento jurídico e de saúde, além de acompanhamento posterior. A segurança da vítima após a denúncia representa um dos maiores desafios.
Somente com ações integradas e contínuas, envolvendo a participação efetiva de toda a sociedade, será possível erradicar o feminicídio e construir um ambiente justo e seguro para todas as mulheres. O Fundo Brasil de Direitos Humanos, com o apoio de doadoras e doadores de todo o país, fortalece projetos que lutam pela efetivação dos direitos básicos de todas as mulheres.