A vereadora Edna Sampoio, do Partido dos Trabalhadores, já na sua estréia como parlamentar, se tornou uma das vozes mais relevantes da atual legislatura da Câmara Muanicipal da capital mato-grossense. Primeira mulher negra a eleger para o parlamento cuiabano, ela é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Mato Grosso, Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Se apresentando como feminista negra, mãe e avó, a vereadora tem, na verdade, uma sólida carreira como docente da Universidade do Estado de Mato - UNEMAT e como Gestora Governamental da Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral de MT, sendo profunda conhecedora das áreas de Governo, Políticas Públicas e Planejamento Governamental, o que faz com seja uma adversária peso-pesado nos debates que vem travando no plenário da Câmara Municipal, elevando o nível daquela que atépouco tempo era chamada de “Casa dos Horrores” pelos seguidos escandalos, pela baixa qualidade do trabalho da maioria dos vereadores e da superficialidade das proposituras levadas à plenário.
Nesta entrevista exclusiva, a vereadora expõe em profundidade suas ideias e dispara críticas às estruturas patriarcais da sociedade que segrega as mulheres, as pessoas pretas e as minorias como a população LGBTQIA+. A vereadora também detona os colegas que a tem atacado, escancarando a misogenia, o machismo e o racismo que ainda impregna os discursos nos espaços de poder político.
CO Popular- Para além das pautas feminista e em prol das minorias, quais são as outras questões que mobilizam o mandato da vereadora?
Vereadora Edna Sampaio - Por estarmos em um mandato coletivo, mandato de esquerda e termos ficado tanto sem representação na Cãmara, por sermos mulher preta, professora e ter vindo das lutas sociais, as nossas pautas acabam por ser muito extensas, elas vão desde as questões do meio ambiente, as serviços públicos e políticas públicas sociais, principalmente a saúde, a educação, a assistência social. Nós temos lutado, desde o início do mandato pela implementação da lei de políticas para imigrantes e estamos preparando uma audiência para debater a assistência social porque a política social do município se perdeu completamente, retornamos à um assistencialismo sem planejamento, sem objetivo de tirar as pessoas da extrema vulnerabilidade e sem utilização do CadÚnico, instrumento muito importante para o desenvolvimento de políticas públicas consequentes. A questão do transporte coletivo é outra pauta que mobiliza nosso mandato, assim como as questões ligadas à cultural. Sou presidente da Comissão Cultura da Câmara e isso é muito importante para nós, pois entendemos que cultura tem a ver com o direito à identidade, a memória, aos equipamentos culturais e acesso da população aos bens, produtos e serviços culturais. Então são muitas pautas que nos move no exercício do mandato e que vão muito além das questões de gênero e racial.
CO Popular - a senhora tem enfrentado ataques severos por parte de alguns setores mais retrógrados da política cuiabana, como o cerco que o vereador Dilemário Alencar tem levantado contra a sua atuação no parlamento municipal. Como a senhora lida com essas violências no dia a dia do mandato?
Vereadora Edna Sampaio - Não é fácil para mim lidar com essas violências. O primeiro impacto da violência de gênero na política é tomar para si o ataque. A gente tem de compreender que essa violência não é pessoal, e quem sofre a violência o sofre por pertencer a um grupo social ou pertencer a um grupo de pessoas que é violentado o tempo inteiro, como são as mulheres, como são as pessoas pretas. Então,ao dississociar essa violência da minha individualidade eu consigo enfrentar melhor as situações. Não é porque a Edna fez algo errado, porque é contra a pessoa da Edna, mas porque a eu represento uma maioria da população que sempre foi excluida e quando uma voz dessa maioria toma a voz dentro de um espaço de poder, ela tem uma repercussão gigantesca. E como eu não estou alinhada com nem ao poder “imperial” do governador e nem do prefeito, que são dois grupos políticos muito fortes,é óbvio que os instrumentos de poder que eles controlam vão atacar a vereadora Edna não pela pessoa em si, mas pelo que ela representa e pelo perigo que tem a fala de uma mulher negra num espaço que historicamente que excluiu as mulheres e as pessoas pretas que consttiuem a maioria no município e no estado.
CO Popular - Quando a senhora fala em uma “disputa de poder” como origem dos ataques que sofre dos colegas vereadores está se referindo à disputa pelo controle do discurso, da narrativa dos fatos políticos ou à disputa do “poder eleitoral”?
Vereadora Edna Sampaio - Eu acho que tem sim, por detras [dos ataques e violência de gênero política que vem sofrendo] uma questão de poder eleitoral mesmo, que é pra mim o mais claro, mais evidente, e não apenas pelo controle das narrativas. Eu procuro analisar a isso pela perspectiva da ciência política mesmo, de compreender que é um jogo político em que os donos do poder, ou quem o detém no momento deseja, é que a maioria compreenda que é maioria e que está excluída. É por isso que a voz da vereadora Edna Sampaio é perigosa porque ela não se vincula a nenhum interesse hegemônico dentro da sociedade e ela está livre para falar tanto de um grupo quanto de outro. Vejo que é um comportamento racista, misógeno, machista, mas são estruturas de opressão de grupos inteiros e não da minha pessoa exclusivamente. Se eu estive aqui [na Câmara Municipal] e não falasse da minha negritude, de machismo estaria tudo bem, Mas, como denuncio esses comportamentos e a ausência das mulheres, das pessoas pretas, e de todas as minorias nos espaços de poder, aí eu me torno alvo das agressões.
CO Popular - Na avaliação da vereadora,por que a maioria dos vereadores de Cuiabá não se interessam em discutir os problemas estruturais da cidade como o modelo de transporte coletivo (BRT x VLT), o Plano Diretor, o IPTU progressivo, a revitalização do centro histórico, o déficit habitacional, o problema dos moradores de rua, a violência na periferia?
Vereadora Edna Sampaio - Porque a política não é sobre as pautas que os políticos deveriam defender, mas sim, sobre os interesses dos grupos econômicos que os políticos defendem. Quando acontecem as eleições, a estretégia eleitoral não é sobre como viabilizar e concretizar as pautas que cada candidato diz defender e nem as propostas dos partidos que cada um representa. Toda a campanha eleitoral se sustenta numa organização baseada quase que exclusivamente no poder de convencimento do dinheiro e numa estrutura para captura de votos e não na conquista do voto espontâneo do cidadão, da cidadã. Ou seja, aquilo que o candidato diz que pensa, que defende, que é prioridade para ele na campanha, é só propaganda, não um compromisso real. E, infelizmente, se alguém é eleito não pelo que disse defender e se propôs representar na campanha eleitoral, é claro que o exercício do mandato não vai refletir as demandas dos eleitores, não vai se preocupar com os interesses e problemas de quem o elegeu porque sente que não deve nada ao eleitor. A nossa democracia não é uma democracia representativa de fato. Se fosse, as mulheres e as pessoas pretas seriam maioria nos parlamentos, nos espaços de poder político. Nós vivemos, na verdade,uma plutocracia onde só chegam aos postos de comando quem tem dinheiro ou que representa os interesses de quem o tem. É muito raro que uma pessoa do povo consiga chegar aos espaços de poder se elegendo pela via do debate com o eleitorado.
CO Popular - O Partido dos Trabalhos, mesmo liderano uma federação com o PV e o PCdoB, perdeu a vaga que tinha na Câmara Federal. Como a senhora avalia o desempenho do partido nas eleições do ano passado e quais são suas expactativas para o pleito municipal de 2024?
Vereadora Edna Sampaio - Política é uma atividade que você não faz como você gostaria, porque ela não é feita por uma pessoa só, por uma ideia só, mas um espaço de muita diversidade, muito tensionameno e de muito conflito. Não sou contra alianças ou contra a federação, mas acho que o PT tem como tarefa [para 2024] o fortalecimento de suas propostas, de suas bases, de sua chapa para que a gente possa depender mais do nosso próprio esforço para elegermos nossos candidatos e menos de outros partidos. Isso não quer dizer excluir os outros, não dialogar, não compor, não juntar forças e disputar com a federação as eleições. Mas, sim que o PT tem todas as condições de se fortalecer e propor uma chapa forte, competitiva, temos bons nomes para isso e que são bastante viáveis e competivos eleitoralmente. Eu acredito muito nisso. E isso incomoda muitoa gente. Nossos adversários sempre tiveram a política, muitos inclusive que fizeram aliança com o PT, no sentido de sempre impedir o PT de crescer, impedir que o partido fosse de fato relevante no cenário político tanto do município quanto do estado. As alianças, muitas vezes vimos isso acontecer, foi uma estratégia para interditar mesmo o nosso partido. E nós não podemos permitir que isso continue se repetindo. Vamos sim, dialogar com a federação, mas, vamos também e prioritariamente, trabalhar para que o PT chegue forte e competitivo nas próximas eleições municipais.